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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Pensando a avaliação

O Luizinho da segunda fila


Marcelo é um excelente professor de Geografia.

Na aula sobre o Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia-a-dia de cada um.

Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal. Seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas vibrava... Sentia que os alunos aprendiam. Descobriam o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:

- Posso pegar mais uma folha em branco?

O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fila. – Puxa vida! – pensava – Luizinho assistira às suas aulas, arregalara
os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total...
nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar Luizinho. Mas, tudo bem, não queria
se irritar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidasse
poderia, até mesmo, levá-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de
sua vida...
Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem sua folha. Viu então que, rapidamente, Luizinho desenhou, na primeira página das folhas de prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras. Entusiasmado indagou:

- E aí, Luís? Você já esteve no Pantanal?

Não. Luizinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno.



Mas, deu zero pela redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas de prova. A história de Luizinho repete-se em muitas escolas. Sua inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia.

Mas, não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes das que a escola instituiu como única e universal.


Texto de Celso Antunes

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