quinta-feira, 17 de maio de 2012
Esmeralda cansada de guerra
Por Galeno Amorim
Esmeralda era uma menina cheia de sonhos. Vivia suspirando pelos cantos. Quando crescesse, ficaria uma moça bonita, encontraria seu príncipe encantado e até arrumaria um bom emprego na cidade. Por isso, dava duro nos estudos. Aliás, ela gostava mesmo de ir à escola.
Só que um dia o seu mundinho ruiu. E a menina perdeu o rumo e o prumo na vida. Desde então, Esmeralda comeu o pão que o diabo amassou: primeiro, teve que abandonar a escola. Depois, vieram as drogas. E, para sobreviver, se viu obrigada a vender o próprio corpo.
Decididamente, não era uma vida nada fácil. Por anos a fio, ela viveu se embriagando. O caminho da perdição, ela logo descobriria, até que não fora difícil de encontrar. Já o de volta... Bem, isso já são outros quinhentos.
Esmeralda é uma sobrevivente. De uma penca de 19 irmãos em Nova Londrina, interior do Paraná, só ela e outros dez sobreviveram à miséria, à fome, às doenças e a uma desgraceira toda.
Como o ditado reza que escola de pobre é o trabalho, logo aos cinco anos a menina pegava firme no batente. Em troca de roupa, comida e cama, e poder frequentar a escola em suas raras horas de folga, Esmeralda foi trabalhar como doméstica.
A mãe alcoólatra era uma perdida na vida. Volta e meia, pegava a filharada pelo braço e saía, sem eira nem beira, por esse mundão afora. E dormiam em praças e calçadas, se alimentando das migalhas da caridade alheia.
E a vida não deu mole mesmo: ainda uma meninota, teve que largar os estudos. E rumou para a cidade grande, a fim de ajudar nas despesas da casa.
Só e desprotegida, mal chegou a Curitiba e foi logo violentada. Voltou pra casa, e lá foi vítima de outra maldade: o preconceito. Segundo a maledicência da vizinhança, a menina teria para a cidade grande justamente para ganhar a vida como prostituta.
Aquilo foi um grande trauma para ela. Por anos a fio Esmeralda viveria seu próprio inferno particular aqui na terra.
Como não há mal que dure para sempre, houve um dia em que a Providência fez com que um livro fosse parar em suas mãos. Seu título ela nunca mais esqueceria: Samuel Morris, que narrava as aventuras de um menino negro sequestrado na África por tribos rivais. Separado dos pais e vendido como escravo, ele foi arrastado para bem longe. Já adulto, deu uma surpreendente virada em sua vida - como, afinal, ela própria vivia dizendo que ainda faria.
Cansada daquela vida danada, Esmeralda mudou-se para Rondônia. Quis voltar a estudar, mas lá descobriu que sua antiga escola fora destruída por um incêndio. Sem ter como comprovar os estudos anteriores, não restou outra saída a não ser adiar, mais uma vez, o velho sonho.
Só anos mais tarde Esmeralda velha e cansada de guerra finalmente tomaria nas mãos o tão desejado diploma. Para isso, matriculou-se na alfabetização de jovens e adultos. E ali encontrou, afinal, a dignidade aparentemente perdida.
Desde então, nunca mais parou de ler. Antes de dormir, por exemplo, ela lê toda noite ao menos um trecho. Aos 52 anos, Esmeralda Alexandre Alfonso tem um sonho: ajudar sua gente a colocar os livros em suas vidas - como ela própria fez um dia.
Dona Esmeralda agora se prepara para ser uma espécie de missionária dos livros. Está ajudando na biblioteca rural aberta pelo governo no assentamento de Despraiado, em Candoi, onde ela vive do cultivo de feijão, soja e verduras.
Esse é o jeito, ela diz, com candura e sabedoria, de levar luz a esse povo simples e, muitas vezes, tão esquecido pelos governos. No meio da filharada das 58 famílias de descendentes de escravos que vivem no ex-quilombo, estão os seus quatro filhos.
A Esmeralda tão cansada de guerra, mas não da boa luta, não desiste nunca. Agora uma leitora do mundo, ela sabe o que quer.
In, http://www.blogdogaleno.com.br/index.php
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